O Dilema Moral do Advogado Criminalista
Muitos leigos se questionam sobre o dilema moral do advogado criminalista:
– Como você pode defender um estuprador confesso?
– Eu não conseguiria dormir sabendo que ajudei a soltar um homicida.
– Deve ser horrível ter que ficar pensando em quais mentiras contar.
E por aí vai.
Inclusive, por isso, muitos advogados também fogem do Direito Penal, como o diabo foge da cruz. Para alguns, existem crimes muito repulsivos. Para outros, a questão não é visceral, mas envolve a moral de estar trabalhando na contramão do que seria certo: a condenação do culpado.
O assunto caberia em um livro… Mas todas essas questões já foram respondidas por um dos maiores – ou talvez o maior – advogado brasileiro: Rui Barbosa.
Em sua Carta a Evaristo de Morais, depois intitulada O Dever do Advogado, o patrono da nossa profissão esmiúça o caráter moral da defesa criminal e sua obrigatoriedade.
Segue um trechinho:
perante a humanidade, perante o cristianismo, perante os direitos dos povos civilizados, perante as normas fundamentais do nosso regímen, ninguém, por mais bárbaros que sejam os seus atos, decai do abrigo da legalidade. Todos se acham sob a proteção das leis, que, para os acusados, assenta na faculdade absoluta de combaterem a acusação, articularem a defesa, e exigirem a fidelidade à ordem processual. Esta incumbência, a tradição jurídica das mais antigas civilizações a reservou sempre ao ministério do advogado. A este, pois, releva honrá-lo, não só arrebatando à perseguição os inocentes, mas reivindicando, no julgamento dos criminosos, a lealdade às garantias legais, a eqüidade, a imparcialidade, a humanidade.
Resumindo a lição do mestre Rui Barbosa:
- A defesa é um direito do acusado.
- A todo direito corresponde o dever de outra pessoa, que garante esse direito.
- Esse dever é do advogado criminalista.
Ponto final.
No restante, sejamos pragmáticos: o Ministério Público costuma fazer muito bem o trabalho de acusador. Faça bem o seu trabalho de defensor. No fim das contas, condenar culpados e absolver inocentes não será função nem deste nem daquele, mas do juiz – que ainda poderá usar como escape a presunção de inocência e o fato de existirem recursos. No final, tudo acaba em um órgão colegiado, diluindo-se os pesos das decisões individuais no Sistema.
Essa é a realidade: somos peças do sistema, façamos bem aquilo que nos incumbe.
E se você ainda não se convenceu, entenda que a Justiça não se esgota num único caso. É uma marcha histórica. Os erros individuais devem ser identificados e corrigidos, para que possamos corrigir o rumo geral.
Por exemplo, se ao longo dos anos, diversas operações da Polícia Federal não tivessem sido totalmente anuladas, por erros em interceptações telefônicas, talvez na Operação Lava Jato esses erros teriam se repetido e ela não teria alcançado a dimensão que tem. Concordemos com seus rumos ou não, essa é a maior investigação já feita na história do Brasil e sem o aprendizado passado, o risco dela ser abortada seria maior.
Então, não existe nenhum drama moral do advogado criminalista?
Existe. Mas não é um dilema. O que me tira as noites de sono não são os culpados. Mas os inocentes. São eles que me fazem perder o sono, remoendo a melhor solução para o caso deles.
E também são eles que me fazem querer realizar o melhor de mim mesmo.