Benefícios não estão condicionados à opção pelo regime de tributação do simples nacional.
O Constituinte, visando a sedimentar um terreno menos hostil e mais propício ao desenvolvimento das micro e pequenas empresa (ME’s e EPP’s), determinou ao Legislador Complementar que criasse um tratamento diferenciado, favorecido e simplificado às empresas desse porte. Em duas oportunidades isso é deixado bastante claro em nossa Constituição da República:
Art. 146. CABE À LEI COMPLEMENTAR:
III – ESTABELECER NORMAS GERAIS EM MATÉRIA DE LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA, ESPECIALMENTE SOBRE:
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
O tal tratamento diferenciado e favorecido foi instituído, sistematicamente, pela Lei Complementar n. 123/06, também conhecida como Estatuto Nacional da Micro e Pequena Empresas e não se restringem apenas à matéria tributária. Os benefícios militam em 10 áreas diferentes, a saber: (I) tributação simplificada e reduzida; (II) acesso aos mercados; (III) simplificação das relações de trabalho; (IV) fiscalização orientadora; (VI) associativismo; (VII) estímulo ao crédito e à capitalização; (VIII) estímulo à inovação; (XIX) regras civis e empresariais diferenciadas e, por fim, (X) acesso à justiça.
Esse texto cuidará dos benefícios licitatórios dispensados às ME’s e EPP’s, inseridos na área de acesso aos mercados, instituídos pelos arts. 42 a 49, da Lei Complementar n. 123/06, e regulamentados pelo Decreto Federal 8.538.
Como se dá o enquadramento como me ou epp?
Antes, porém, advirto que os benefícios previstos na legislação não estão condicionados à opção da empresa ao regime de tributação simplificada (Simples Nacional). Condicionam-se tão somente ao porte da empresa, nos termos do art. 3º, I e II, da LC 123/06. Mais precisamente, a fim de ser enquadrada como ME a empresa deverá auferir, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00. Para o enquadramento como EPP, a empresa deverá auferir, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais.
Até 2016, para perfectibilização do enquadramento, a legislação exige que seja acrescentado à firma ou denominação da empresa as expressões “Microempresa” ou “Empresa de Pequeno Porte”, ou suas respectivas abreviações, “ME” ou “EPP” (art. 72, LC 123/06), o que deveria ser feito no Cartório de Registro de Pessoa Jurídica competente, no caso de sociedade não empresarial, ou na Juntas Comercial do Estado em que sediada a empresa, no caso de sociedade empresária, esse último de acordo com a Instrução Normativa do Diretor do Departamento Nacional do Registro de Comércio (DNRC) 103 de 2007. Tal exigência, contudo, deixou de existir com a edição da Lei Complementar n. 155/2016, que revogou o art. 72 da LC 123/06.
Quais são os benefícios em licitações públicas
Os benefícios licitatórios estão previstos no art. 42 a 49 da LC 123/06, que, por seu turno, são regulamentados (isto é, detalhados) no DECRETO Nº 8.538, DE 6 DE OUTUBRO DE 2015.
Leis municipais e estaduais podem veicular também previsão desses benefícios. Por isso, recomenda-se análise, caso a caso, da existência de legislação semelhante no âmbito municipal e estadual.
A seguir, inventario os benefícios às ME’s e EPP’s em licitações.
1º -Regularidade fiscal e trabalhista diferida (art. 42 e 43, da LC 123/06; art. 4º, do Decreto 8.538/15)
A ME/EPP poderá participar do certame mesmo que sua documentação final aponte alguma irregularidade, pois a regularidade fiscal e trabalhista só poderá ser exigida para a assinatura do contrato.
Isso não significa que a ME/EPP está dispensada de apresentar documentação fiscal e trabalhista na fase de habilitação. Ela tem, sim, de apresentar o documento, mesmo que ele aponte alguma irregularidade. Após a declaração da ME/EPP como vencedora do certame, ela terá o prazo de 5 dias úteis, prorrogáveis por mais 5 dias úteis, para providenciar a regularização da referida pendência.
Caso não haja regularização pela ME/EPP, ela perderá o direito de ser contratada e poderá, ainda, ser sancionada, nos termos do art. 81 e 87, da Lei 8.666/93, o que inclui a sanção de multa e/ou suspensão do direito de participar e contratar com a Administração Pública e/ou declaração de inidoneidade.
2º – Direito de preferência na contratação e empate ficto (art. 44 e art. 45, da LC 123/06; art. 5º, do Decreto 8.538/15
A ME/EPP que apresentar proposta até 10% igual ou maior do que a melhor proposta da licitação, terá sua proposta considerada como empatada com a primeira colocada e poderá apresentar nova proposta inferior a essa. Esse é o chamada “direito de preferência”. Para o Pregão, essa faixa de empate ficto é de 5%.
Exemplo
Por exemplo, considere um certame em que a empresa MELHOR PROPOSTA LTDA. (que não é ME/EPP) apresentou como proposta o valor de R$ 100.000,00, em que a empresa LICITAÇÃO FÁCIL LTDA. (que tampouco é ME/EPP) apresentou como proposta o valor de R$ 105.000,00 e, por fim, em que uma ME/EPP apresentou uma proposta de 110.000,00. Nesse caso, haverá empate ficto entre a proposta da empresa MELHOR PROPOSTA LTDA e da ME/EPP, mesmo que a proposta dessa última seja superior àquela.
Nesse caso, a ME/EPP será convocada para, se querer, apresentar nova proposta inferior a primeira colocada provisória. Se ME/EPP apresentar proposta inferior, ela será contratada.
Perceba que a única exigência é que a proposta seja inferior. Pode ser, portanto, centavos, um real, cinco reais inferiores.
Atenção: se tiver mais de uma ME/EPP com proposta dentro da faixa de empate ficto (10% igual ou superior da melhor proposta), convoca-se primeira a ME/EPP com melhor proposta e, caso essa não aceita reduzir o seu preço, convoca-se a segunda ME/EPP mais bem colocada e assim sucessivamente. Caso nenhuma ME/EPP apresente proposta inferior à do primeiro colocado, após os benefícios da LC 123/06, esse primeiro colocado de médio ou grande porte será contratado.
3º – Licitação exclusiva (art. 48, I, e art. 49, da LC 123/06; art. 6º, do Decreto 8.538/15)
O legislador, ainda, previu a possibilidade de se lançar licitação exclusiva às ME/EPP’s desde que o valor do item/lote exclusive não seja superior a R$ 80.000,00.
Para que fique claro, não poderá existir licitação exclusiva se o valor do contrato, item/lote licitado for superior a R$ 80.000,01.
4º – Subcontratação obrigatória de ME/EPP (art. 48, II e art. 49, da LC 123/06; art. 7º, do Decreto 8.538/15)
O edital do certame poderá, também, prever subcontratação obrigatória de ME/EPP para execução de parcela do objeto licitado.
Porém, será vedada a subcontratação de parcelas de maior relevância técnica, assim definidas no instrumento convocatório; de microempresas e empresas de pequeno porte que estejam participando da licitação; e de microempresas ou empresas de pequeno porte que tenham um ou mais sócios em comum com a empresa contratante, nos termos do art. 7, §6º, do Decreto 8.538/15.
5º – Reserva de cota do objeto licitado, até 25%, para contratação de ME/EPP’s (art. 48, III e art. 49, da LC 1213/06; art. 8º, do Decreto 8.538/15)
Diz o art. 8º, do Decreto 8.538/15, que “nas licitações para a aquisição de bens de natureza divisível, e desde que não haja prejuízo para o conjunto ou o complexo do objeto, os órgãos e as entidades contratantes deverão reservar cota de até vinte e cinco por cento do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.”
Nas licitações por item/lote, o percentual de até 25% será aferido em relação a cada item/lote separadamente e “nas licitações por preço global, o valor estimado para o grupo ou o lote da licitação que deve ser considerado como um único item” (art. 9º, I, do Decreto 8.538/15).
6º – Possibilidade de reservar cota para ME/EPP local ou regional
Ainda, poderá haver reserva de cota para contratação ME/EPP local ou regional de até 10% do melhor preço válido.
Hipóteses em que os benefícios 4º a 6º acima não se aplicam
O art. 10, do Decreto 8.538/15 traz as hipóteses em que os benefícios da (i) subcontratação obrigatória de ME/EPP, (ii) reserva de cota de contratação de ME/EPP e (iii) reserva de cota de contratação de ME/EPP local/regional não se aplicam. São elas: (a) quando não houver ME/EPP competitivos ; (b) quando não for vantajosa a contratação para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser executado; (c) nas contratações diretas, ressalvadas apenas as duas hipóteses de dispensa de licitação em razão do valor (art. 24, I e II, da Lei 8.666/93).
O Decreto citado, ainda, no seu art. 10, parágrafo único, explica que não será vantajosa a contratação de ME/EPP quando ela resultar em preço superior ao valor estabelecido como referência ou quando a natureza do bem, serviço ou obra for incompatível com a aplicação dos referidos benefícios.
Obs1: Este texto foi, originalmente, publicado em 17 de abril de 2017. Sua última atualização ocorreu no dia 17 de fevereiro de 2020.
Obs2: Caso queira entender o que muda no tratamento favorecido às ME/EPP’s na Nova Lei de Licitações, clique aqui.
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