Nova Lei de Licitações: Como ficou o direito de preferência das ME’s e EPP’s?

Está mantido o direito de preferência das microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP).

A nova lei disciplina a matéria no seu art. 4º. Já de largada, ela afirma que os benefícios do art. 42 a 49 da Lei Complementar n. 123/06 (LC 123/06) se aplicam às licitações e contratos regidos por ela.

Para a alegria daquelas empresas de médio e grande porte, o Legislador corrigirá distorções graves, hoje consagrada pela prática e jurisprudência especializadas.

Quem estuda o tema de licitações pública e/ou o experimenta no cotidiano prático, sabe que se consolidou a interpretação de que o direito de preferência das ME’s e EPP’s se aplica, inclusive, às contratações cujo valor do contrato superasse os limites de enquadramento como microempresa e empresa de pequeno porte, previstos no art. 3º da Lei Complementar n. 123/06[1]. Isso mesmo, atualmente, desde que presente a situação de empate ficto, uma ME/EPP poderia lançar mão de tal direito de preferência em uma licitação cujo valor, por exemplo, fosse de R$ 15.000.000,00, ou seja, muito superior ao limite da LC 123/06, de R$ 4.800.000,00. Isso significa que uma empresa pode usar tal benefício para adjudicar contrato que irá, definitivamente, desenquadrá-la da condição de ME/EPP.

A jurisprudência do Tribunal de Contas da União já reafirmou essa compreensão em mais de uma ocasião. Cito como exemplo o Acórdão 1819/2018-Plenário. Inclusive, o tema foi objeto de, pelo menos, um boletim de jurisprudência da Corte de Contas, o de n. 231/2018.

Essa orientação sempre me pareceu contraintuitiva, ilógica e avessa à finalidade inerente ao tratamento favorecido estabelecido pela LC 123/06, por força do art. 170, IX, da Constituição da República. O objetivo nunca foi criar um privilégio odioso em detrimento das empresas com outros portes maiores.

Seja como for, com a Nova Lei de Licitações, o direito de preferência não poderá ser avocado em contratos cujos valor estimado for superior à receita bruta máxima para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte – hoje, R$ 4.800.000,00, nos termos do art. 3º, II, da LC 123/06. É o que está previsto no art. 4º, §1º, I e II. Para contratações com prazo de vigência superior a 1 ano, o valor a ser considerado na aplicação desse dispositivo será o valor anual do contrato (art. 4º, §3º).

As novidades não param por aí.

O benefício só poderá ser utilizado se a ME e/ou a EPP não tiver firmado, no ano-calendário de realização da licitação, outros contratos que somados extrapolem o limite da LC 123/06, conforme estatui o art. 4º, §2º, da Nova Lei. Trata-se de mais uma notícia acalentadora às empresas de médio e grande porte.

Atualmente, o critério utilizado para fins de aplicar, ou não, o direito de preferência em licitações é a receita bruta auferida no ano-calendário (Acórdão 298/2011-Plenário, TCU). Utiliza-se o mesmo critério da LC 123/06, o qual não está, portanto, relacionado com o valor dos contratos firmados.  Foca-se no passado, não no presente.

Com base no entendimento atual, uma EPP, por exemplo, poderia fazer uso do direito de preferência em quatro licitações de R$ 5.000.000,00 no mesmo mês, desde que sua receita bruta já auferida até aquele momento não supere o teto da LC 123/06.

A partir da nova Lei de Licitações, haverá uma mudança de perspectiva, do passado, para o futuro – art. 4º, §2º. Será necessário analisar os contratos firmados no ano-calendário da licitação. Se a soma deles extrapolar o limite, a ME/EPP poderá participar da licitação, mas não poderá gozar do tratamento diferenciado. Inclusive, a Administração deverá exigir declaração da licitante atestado a observância dessa condição.

Assim, pode existir, na prática, uma empresa que, apesar de se enquadrar no conceito de micro ou pequeno porte no momento da participação da licitação, não poderá fazer uso do tratamento diferenciado previsto na LC 123/06 para as licitações.

E ai, você continua achando que a Nova Lei de Licitações só merece críticas?

Artigo por Gustavo Costa Ferreira. Escritor e fundador do blog Advogado no Controle. Mestre em Direito pela UFSC. Advogado especialista em Licitações e Contratações Públicas, Saneamento Básico e Direito Administrativo Sancionador.

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[1] Atualmente, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00, em cada ano-calendário, para as ME’s, e receita bruta igual ou inferior a R$ 4.800,00, em cada ano-calendário, para as EPP’s, nos termos do art. 3º, I e II, respectivamente, da LC 123/06.