Lembro-me da minha primeira audiência como se fosse hoje. Tratava-se de uma audiência de conciliação contra uma gigante da telefonia. Eu estava no quinto semestre do curso de Direito e advogava em causa própria no Juizado Especial Cível.
Lembro muito bem do nervosismo que tomou conta de mim dias antes dela. Durante uma semana inteira sonhei que, ao chegar na audiência, eu sentava de um lado, eu e eu mesmo, e do outro lado, no mínimo, quinze advogados, representando a telefonia. Eu nunca tinha ido numa audiência antes, e agora tinha que fazer uma sozinho. Pensava, “por que fui me meter nisso? Por que arranjar tanta encrenca…”
Para combater o nervosismo pré-audiência, assisti a todos os episódios de Law and Order que consegui, queria apreender todos os protestos e técnicas de quesitação possíveis que eu pudesse utilizar. Preparei-me como nunca, decorei os artigos da Lei 9.099/95, meditei, li e reli todo o processo, eu tinha tudo na ponta da língua. Seria uma épica batalha de um consumidor solitário, na luta pelos seus direitos, contra uma gigante da telefonia, na busca do lucro máximo atropelando os direitos dos seus consumidores. Davi e Golias.
No dia da audiência, cheguei no fórum. Eu estava tranquilo, sentei na sala de espera. Ninguém tinha chegado ainda. Pensei, “o réu será revel, maravilha!”. Cinco minutos para audiência e ninguém ainda. Fiquei mais tranquilo, a serenidade tomou conta de mim. Veio a conciliadora e chamou pelo meu nome e pelo nome da Empresa de Telefonia. Nada…
Entrei na audiência, não sabia em que lado da mesa sentar. Aguardei que me dissessem onde devia sentar. Não queria demonstrar que era “passageiro de primeira viagem”. De repente, apareceram o advogado e o preposto da companhia. Toda aquela minha tranquilidade, transformou-se imediatamente em tormenta.
As batidas do meu coração soavam mais fortes que um grupo de olodum. Minha boca estava seca, eu mal conseguia falar. Minha voz, pernas e mãos tremiam igual bambu em uma tempestade de ventos. Eu tentei revisar mentalmente tudo aquilo que eu havia estudado, todas as técnicas de inquirição de testemunhas do Law and Order, todos os detalhes do processo. Eu só conseguia pensar: “por que fui me meter nessa?!”,“Devia ter ficado em casa…”.
Meu transe nervoso foi, então, rompido pela conciliadora ao perguntar se as partes tinham alguma proposta de acordo. Eu fiquei inerte, não sabia o que respondia. Sim, eu tinha uma proposta de acordo. Mas não sabia quem deveria dar o primeiro passo. O advogado da companhia, então, pediu-me desculpas e disse educadamente que era política da empresa não fazer acordos. E assim, a conciliadora redigiu a ata de audiência e todo o pesadelo acabou. Aquilo que para mim pareceram horas, não durou 2 minutos no mundo real. Eu acabava de fazer minha primeira audiência, ileso.
Contei minha história para que você entenda que é absolutamente normal ficar nervoso com sua primeira audiência. A regra é essa. Não se sinta menos profissional porque seu coração bate mais forte antes da audiência, porque sua voz treme e você apresenta sinais de nervosismo.
Grande parte da nossa ansiedade deriva do receio do desconhecido, pois tememos situações que possam nos colocar em desconforto, que possam nos fazer sentir um palhaço. Para agravar o receio, as audiências tal como demonstradas pela televisão aberta, filmes e séries americanos são um palco repleto de emoções, com protagonistas agitados e muito bem preparados. Juízes batendo o martelo, advogado protestando uma hora atrás da hora e testemunhas hostis. Posso lhe tranquilizar de uma coisa, não é assim que acontecem as audiências no mundo real, pelo menos na maioria esmagadora das vezes.
É muito provável que seu medo se repetirá em todas as suas “primeiras” audiências.
- Na sua “primeira” audiência de conciliação no Juizado Especial Cível;
- na sua “primeira” audiência de conciliação em uma ação da Justiça Comum;
- na sua “primeira” audiência de instrução e julgamento trabalhista, criminal etc.
Você terá um monte de “primeiras” audiências, e todas elas serão candidatas a lhe causar nervosismo de primeira viagem. Isso é mais do que normal, repito.
Apesar disso, existe um plano de ação que lhe ajudará a combater grande parte desse “medo da primeira audiência”. É do que cuidarei neste post. O plano de ação consiste em cinco etapas bem simples que, se seguidas, farão com que você realize sua primeira audiência como um advogado experiente!
Primeira etapa: IDENTIFIQUE O TIPO DE AUDIÊNCIA A SER REALIZADA
Existem pelo menos dois tipos de audiência. As audiências de conciliação e as audiências de instrução e julgamento.
A primeira delas é um ato processual destinado a oportunizar às partes a celebração de um acordo, com o propósito de pôr termo a um processo amigavelmente. Não há, aí, qualquer discussão de mérito da lide, ou seja, é absolutamente descabida qualquer discussão sobre “quem é, está, foi certo” e/ou “quem é, está, foi errado”. É uma oportunidade para se discutir tão somente a possibilidade de um acordo entre as partes, de uma composição amigável.
A audiência de instrução e julgamento, por seu turno, objetiva à produção de provas do processo, sobretudo, mas não exclusivamente, à oitiva das testemunhas arroladas pelas partes. Após a produção dessas provas, o juiz tem a faculdade de já julgar o processo, o que ocorre com baixíssima frequência.
A primeira etapa para combater o “medo da primeira audiência” é identificar que tipo de audiência será a sua. Essa informação é facilmente obtida no mandado de intimação e citação das partes e/ou no despacho do juiz que designou o ato processual. Esses documentos trarão todas as informações que você precisará saber sobre a audiência a ser realizada.
Segunda etapa: DESCORTINE O DESCONHECIDO.
Você já sabe que tipo de audiência lhe aguarda e também já deve saber que no nosso ordenamento jurídico todos os atos processuais são públicos (art. 93, IX, da CRFB), salvo aqueles cujas intimidades das partes e/ou o interesse público exijam que a tramitação se dê em segredo de justiça. Então, antes da sua primeira audiência, vá até o fórum mais próximo e assista a uma.
Como eu disse, as audiências no mundo real não são como as da TV. No mundo real, elas não têm graça, geralmente não têm a agitação das novelas da globo e filmes norte-americanos.
Depois de assistir sua primeira audiência, você sentirá um mix de tranquilidade e de desapontamento. Tranquilidade porque você não terá uma gloriosa audiência cinematográfica. Desapontamento porque perceberá que você não terá uma gloriosa audiência cinematográfica….
Preocupe-se em analisar:
- onde cada uma das partes costuma se sentar;
- como são tratados cada um dos protagonistas processuais;
- como os advogados protestam;
- como são formuladas as perguntas às testemunhas, etc.
O importante dessa etapa é afastar o medo inconsciente do desconhecido. É transformar o desconhecido em conhecido.
Terceira Etapa: PREPARE-SE PARA A AUDIÊNCIA.
Se sua audiência for de conciliação, esboce um plano de negociação. Levante dados sobre decisões e acordos em processos similares para definir:
- um patamar que representa o melhor acordo possível;
- patamar mínimo em que o acordo pode ser firmado sem prejuízo dos interesses do seu cliente e
- um patamar que provavelmente o acordo poderá ser firmado. Para saber mais sobre como fazer um plano de negociação clique aqui.
Se sua audiência for de instrução e julgamento:
- Primeiro defina exatamente qual será o propósito do ato processual. Por exemplo, a audiência será realizada para oitiva de 4 (quatro) testemunhas, sendo duas do autor e outras duas do réu.
- Segundo, conheça bem seu processo, leia-o e estude-o como ninguém. Nenhuma das partes poderá saber mais do que você sobre aquele caso. Você verá o efeito tranquilizador que isso lhe trará.
- Terceiro, defina os pontos controversos que serão objeto de prova na audiência de instrumento.
- Quarto e, por fim, estude os dispositivos legais que regulamentem a própria audiência e a prova a ser produzida nela. Em se tratando da produção da prova testemunhal, por exemplo, estude as hipóteses de suspeição, impedimento e contradita das testemunhas, assim como as hipóteses de indeferimento e protesto às perguntas formuladas. Para saber mais sobre a preparação de uma audiência de instrução e julgamento clique aqui
Quarta etapa: ESTEJA CIENTE DAS SUAS PRERROGATIVAS COMO ADVOGADO.
Por último, esteja ciente das suas prerrogativas como advogado, todas previstas no artigo 7º do Estatuto da OAB. Saiba que você tem:
- direito de ingressar livremente nas salas e dependências de audiências (art. 7º, VI, “a”, do EOAB);
- de permanecer sentado ou em pé e retirar-se da audiência, independentemente de licença (art. 7º, VII, do EOAB);
- de usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas (art. 7º, X, do EOAB);
- de falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo (art. 7º, XII, do EOAB) e
- de se retirar do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo (art. 7º, XX, do EOAB).
Quinta etapa: CONQUISTE SEU ESPAÇO NA AUDIÊNCIA.
Transite pela sala de audiência para se familiarizar com ela, você tem essa prerrogativa. Seja cordial com o juiz(a), com os serventuários da justiça, com a parte contrária e seu advogado. Tenha em mente que o problema em discussão ali não é seu, você é um instrumento para resolvê-lo e não para agravá-lo, por isso não há razão para chegar em audiência fazendo cara feia.
Com tempo, aprendi que puxar conversa com o advogado da parte contrária e o juiz(a) da audiência pode ser uma ótima estratégia para dissipar a nuvem de tensão que recai sobre o ambiente. Eu sempre faço isso. Se você se sentir confortável, também o faça.
Lembre-se que estar no controle é justamente contornar da melhor maneira possível as situações adversas que se apresentam. Portanto, não deixe o medo da primeira audiência tomar conta de você, prepare-se e vença sua primeira audiência como um advogado experiente.
Abraço!
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