Eu não gosto de fazer audiências.

Simples assim. Não gosto de fazer audiências. Sabe por quê?

Alguns advogados lidam tranquilamente com situações de incerteza. Mas eu gosto de ter tempo para pesquisar as soluções, meditar acerca das respostas que aparecerem, construir a argumentação e revisá-la diversas vezes, até apresentar ao juiz.

Em audiências você não possui tempo. Tudo é imediato. É difícil você possuir segunda chance. A audiência acontece e… Fim. Não dá para voltar atrás.

Além do imediatismo, existe a incerteza. Você não sabe que caminho as coisas vão seguir. O roteiro do Código de Processo Civil ou Penal? Esqueça. Os códigos parecem ser diferentes em cada Vara e Juizado. Ou talvez o juiz simplesmente acordou de mau humor naquele dia. E resolveu descontar em todas as partes e seus advogados.

É claro, existem advogados com um talento natural para a discussão oral, a negociação e a improvisação, o teatro. Mas eu não tenho essas habilidades natas.

Falar em público?

Negociar?

Fazer tudo isso no improviso e ainda por cima transparecendo total confiança ao cliente?

Isso não é para qualquer um, correto?

Correto. Isso não é para qualquer um.

Os Três Tipos de Audiências

A primeiro coisa é que, se você tem uma audiência, você precisar ter um plano de ação. Você precisa se preparar para ela.

É imprescindível que antes de uma audiência você analise todo o processo, conheça as alegações das partes e saiba as provas. Além disso, precisa entrevistar as testemunhas e seu cliente, explicando para os leigos como funcionará tudo. Caso seja sua primeira audiência, também é importante pesquisar e descobrir como as coisas funcionam.

Tudo isso é muito trabalhoso. Exige esforço, tempo, dedicação, além de muita imaginação para pensar nas possíveis variáveis e nas decisões que você pode precisar tomar.

Por exemplo, uma testemunha pode ser muito hostil. A testemunha hostil está prejudicando você ou a parte contrária? Como você agirá? Qual requerimento pode ser feito ao juiz? Qual o fundamento legal?

Outro exemplo. É um caso complexo e você precisa de um prazo maior para apresentar suas alegações finais. Como você exporá isso para o juiz? Existe previsão legal? A parte contrária também tem interesse? Você conversou com o advogado dela para que seja feito um pedido conjunto? Como fazer essa abordagem com o outro advogado? E se o outro advogado não concordar?

Pode ser que a questão esteja pouco relacionada ao direito. O seu cliente odeia a parte contrária. Ele é irascível. Como controlar o seu cliente? Se ele xingar a parte adversa, o que você fará? Se ele xingar o advogado dela? E se ele xingar o juiz? Como você pode impedir isso? Como você pode remediar?

Também é possível que suas prerrogativas profissionais sejam violadas. Como defendê-las? Você as conhece bem, tem certeza que pode defender a sua posição e que ela está correta? Se o juiz se tornar muito hostil, você pode pedir auxílio? A sua seccional da OAB possui uma comissão de prerrogativas? Qual o telefone?

Complicado. Você concorda? Não é fácil prever todos os cenários. Na realidade, é simplesmente impossível prever todos os cenários. A vida é variedade infinita. Sempre pode acontecer um imprevisto. Por isso eu repito. Eu não gosto de fazer audiências.

Mas e daí? Você acha que meu cliente está preocupado com isto?

O meu cliente espera que eu realize muito bem o meu trabalho. Inclusive nas audiências. E, vamos ser sinceros, ele está certo! Se eu cobrei um preço pelo meu trabalho, eu devo prestar um serviço adequado. (Claro, eu não preciso ser o melhor orador do país, mas um mínimo de qualidade precisa ser atendido. Aliás, não se trata do mínimo. Você precisa prestar um serviço de primeira classe, mas disso trataremos em outra oportunidade).

Ser um Advogado no Controle inclui fazer aquilo que precisa ser feito. Gostemos ou não de audiências, elas são uma parte importante da profissão. Nós não podemos, como fazem alguns juízes, viver reclusos em gabinetes. O advogado está sujeito às audiências e, portanto, precisa estar preparado. Portanto, eu me preparo para as audiências, goste delas ou não (na verdade, eu me preparo para tudo).

Nessa preparação, eu imagino cada detalhe. Cada resposta para aquelas perguntas lá em cima. Como o juiz irá se portar? Ele é imparcial para um dos lados? O que fazer? Como o promotor ou a parte contrária irá agir? Eles não são amigáveis? Qual a melhor postura nesse caso? Eles são amigáveis, mas meu cliente é brigão, como proceder? O que a testemunha irá responder para cada uma das perguntas minhas e do oponente? Se eu for pego de surpresa, eu conheço o processo suficiente para improvisar? É possível que aconteça alguma discussão jurídica? Então, eu conheço os dispositivos de lei aplicáveis e consigo citá-los de cabeça? Qual a melhor forma de expor o argumento? Aonde eu quero chegar? Como eu vou vencer a discussão?

É possível pensar em todas essas variáveis, e nos planos de ação para cada uma delas. Aliás, com o passar do tempo, você vivencia tantas coisas que acaba desenvolvendo novas habilidades e situações que na primeira vez eram imprevisíveis se tornam situações repetidas. Mas, então, como já alertavam os banqueiros suíços, vem o Caos.

Chega a hora da verdade, a hora da audiência. O servidor convoca todos para a sala de audiências, você se senta. E nada sai conforme o esperado. O juiz é parcial em favor da parte contrária. O promotor é hostil com seu cliente e suas testemunhas. As suas testemunhas contam histórias diferentes da que você tinha ouvido quando as entrevistou. O promotor cita um documento no processo que você não tinha prestado atenção. E ainda por cima apresenta uma prova nova, no meio da audiência. Você quer impugnar essa prova, mas dá um branco e você não consegue argumentar juridicamente – apenas gritar feito um desesperado. Você está desesperado.

Aquela preparação parece simplesmente inútil.

Isso já aconteceu comigo. E continuará acontecendo. As coisas fogem do controle. É o Caos. Ele existe e pode agir a qualquer momento.

Evidentemente, quando as coisas fogem do controle, eu fico desnorteado. Eu tento me manter centrado, encontrar respostas rápidas. Ajo da melhor forma possível. Mas penso:

“Merda”.

E quando saio da audiência, começo a pensar em tudo aquilo que poderia ter feito. E não fiz…

“Burro!”

Você também já se viu despreparado durante a audiência? Também já se arrependeu depois da audiência de ter deixado de fazer algo? De não ter ficado calado, e ter falado demais? De não ter insistido num ponto, quando ele era muito importante? De ter esquecido de uma pergunta importante, que poderia virar o jogo?

Isso já aconteceu com você? Pois saiba que acontece com todos os advogados. Inclusive do exterior. Nos Estados Unidos, os advogados sabem que existem TRÊS TIPOS DE AUDIÊNCIA:

A audiência que você esperava fazer;
A audiência que você fez;
A audiência que você queria ter feito.

É perfeitamente normal que as coisas fujam do controle na audiência. Isto é, a audiência pode não acontecer como se esperava. E também é muito comum o advogado sair de uma audiência arrependido. Ou seja, sabendo que a audiência poderia ter sido bem melhor.

Realmente, você deve ficar surpreendido quando nada puder ser melhorado e tudo correr perfeitamente bem. Fique surpreendido se as coisas andarem conforme o roteiro. Na grande maioria das vezes, a audiência está sujeita ao Caos.

A Primeira Lição

Então? O que nós aprendemos com isso? Que a preparação para a audiência não é importante? Já que tudo é caótico e nós sempre nos arrependemos?

É óbvio que não. Se a preparação não fosse fundamental, nós não estaríamos tratando do assunto.

É muito importante você se preparar. Mas você deve fazê-lo sabendo que as coisas podem fugir do controle. Nassim Taleb, em seu livro Antifrágil, explica que grandes erros são cometidos quando você esquece do imprevisível. Não são apenas grandes crises econômicas, causadas por quebras inesperadas de empresas ou bancos. Esses erros podem ocorrer na escala individual. Como no caso do advogado que se prepara para a audiência, mas esquece do que Taleb chama volatilidade. A realidade é volátil. Ela pode seguir em uma direção, mas também em infinitas outras.

Esse exemplo é triste, mas acho que deixará tudo mais claro. Em São Paulo, um homem entrou no fórum. Após atear fogo na entrada do edifício, o sujeito fez a juíza com quem teria audiência refém. Ele derramou combustível sobre ela e ameaçou também lhe atear fogo. A Polícia Militar interveio e o que já era trágico não se tornou ainda pior.

Eu lhe pergunto. Alguma vez você iria para uma audiência imaginando que um atentado desses poderia acontecer? Eu nunca imaginaria isso. Mesmo depois de ler a notícia, eu não imaginaria isso. Eu continuaria indo normalmente ao fórum, com a maior confiança de que estou seguro.

A primeira lição que devemos extrair da volatilidade e dos três tipos de audiência é que:

Não é possível estar preparado para tudo. E você precisa estar consciente disso.

A Segunda – e Grande – Lição

Vamos retomar.

Existem três tipos de audiências:

A audiência que você esperava fazer;
A audiência que você fez;
A audiência que você queria ter feito.

A partir desses três tipos de audiências, nós concluímos que a preparação é importante. Mas também que devemos nos preparar estando conscientes de que não é possível estar preparado para tudo.

Por que é importante estar consciente disso?

Primeiro, porque sua preparação irá mudar. Você não irá se preparar como um robô. Você criará seus planos de ação consciente de que mudanças poderão ocorrer, e isso tornará seus planos mais e mais complexos.

Quando você toma consciência de que a realidade não é linear, mas um Caos, você prevê mais cenários. Explico mais facilmente. A matemática é linear. Quantas maneiras existem de responder um problema de matemática? Diversas. Mas esse número é limitado e – mais importante – a resposta correta é uma só. Na faculdade de Direito você deve ter aprendido que não existe uma única resposta para os problemas. Porque o Direito envolve pessoas. As audiências também envolvem pessoas. E as pessoas não seguem padrões matemáticos.

Mas segundo, e mais importante, você terá plena consciência de que é natural as coisas fugirem do controle. Você terá plena consciência de que não adianta querer submeter o Universo, o planeta Terra ou as pessoas na sala de audiências à sua vontade. A realidade possui seu próprio modo de funcionar, e nós estamos dentro da realidade. Não é algo que possamos moldar a nosso bel-prazer. Isso significa que podemos falhar.

Realmente. Nós vamos falhar. No caso das audiências, sempre existirão três tipos delas. A audiência que você esperava, a audiência que aconteceu e aquela audiência da qual nós realmente temos medo: a audiência que nós gostaríamos de ter feito. Nosso grande medo é de falhar.

Não se deixe dominar pelo medo de falhar.

Por que se deixar dominar pelo medo de falhar? Mesmo que você NÃO falhe, você sentirá que falhou. É essa a mensagem dos três tipos de audiência. Sempre estará te atormentando o terceiro tipo: a audiência que você gostaria de ter feito e não fez. Na grande maioria das vezes você terá a sensação de que poderia ter sido melhor. Você terá o sentimento de que sua preparação não foi suficiente.

Mas isso é natural. É natural exigir mais de si mesmo. Você não precisa ter medo disso.

Sabe do que você precisa ter medo?

Você precisa ter medo de não agir. De não fazer o que precisa ser feito. Existe um provérbio chinês que diz:

O sábio caminha pensando: “E se eu falhar? E se eu falhar? E se eu falhar?”. Ele caminha. Se ele parar de caminhar, ele já falhou.

Seja corajoso. Enfrente o desafio da audiência. Prepare-se ao máximo. Mas saiba que cometer erros faz parte de toda profissão. O segredo está em aprender com os erros. Constantemente.

Você não pode se esconder do risco. Você quer fugir do fracasso? Então você estará fugindo do sucesso. Você precisa enfrentar seus medos, colocar sua pele em jogo. E assim continuar melhorando mais, e mais, e mais.

Como diz o chefe de cozinha Bobby Flay:

Assuma riscos e você colherá lucros.

Aprenda com seus erros até você acertar.

É assim simples.