Testemunhas.
O meio mais antigo de provar algo também é o meio mais arriscado. Afinal de contas, documentos não nos surpreendem. Mas testemunhas sim. Por que as testemunhas surpreendem? Porque são pessoas. E pessoas colocadas no meio de uma situação inusitada que é falar para um juiz.
Coloque-se na situação das testemunhas. Você nunca advogou ou trabalhou no Poder Judiciário. De repente, é colocado entre dois advogados, às vezes um promotor de justiça, além do juiz. Todos estão atentos em você. Você é o centro das atenções. Você é a presa e todos estão esperando para te dar o bote. Um passo em falso e… A vergonha. Esse é o grande medo da testemunha: passar vergonha.
E – voltando para as lentes de advogado – é muito fácil fazer uma testemunha inexperiente passar vergonha. Pode até ser divertido fazer a testemunha da parte contrária passar vergonha.
Seria sadismo se divertir com o sofrimento dos outros ou apenas intransigência na defesa do seu cliente? Na realidade, pouco importa. Na maior parte das vezes é uma combinação de sadismo e intransigência. Seu cliente espera que você lute por ele. E uma boa luta é divertida.
Portanto, se for preciso humilhar a testemunha, você irá fazê-lo. Claro, com muita elegância. Mas você vai humilhar a testemunha. Fazer ela chorar se for preciso…
“Que exagero!”
Você achou exagerado essa conversa de humilhar a testemunha? É exagero mesmo.
Esse texto não é sobre como humilhar outras pessoas em audiência. Eu não concordo com esse tipo de procedimento – a não ser que a testemunha esteja de má-fé. Acho importante que o advogado mantenha alguns limites na sua atuação (até porque, se o advogado não se mantiver no controle, o juiz será obrigado a controlá-lo).
Mas nem todo advogado pensa assim.
E nem todo promotor de justiça ou juiz. Existe muita gente sádica por aí, que adora humilhar uma testemunha. Existe muita gente intransigente, que faz tudo o que for preciso em audiência. E também existe a mistura dos dois. Todas essas pessoas buscarão colocar a testemunha contra a parede. Buscarão aterrorizá-la. Induzi-la em erro. Forçar contradições. Fazê-la ceder à pressão.
E o que você fará quando for uma testemunha que você convocou?
É essa a questão. Na realidade, esse texto não é sobre a testemunha dos outros. É sobre as suas testemunhas. É sua obrigação não deixar que os outros humilhem as suas testemunhas.
Como impedir isso?
Existe uma parte do trabalho que compete a você enquanto a audiência se desenrola. Manter-se atento para impugnar perguntas falaciosas, que induzem em erro. Objetar e registrar em ata a conduta reprovável da parte contrária (ou do juiz). Questionar a relevância de perguntas que parecem desconexas. Essas são prerrogativas do advogado. Mas pode ser que o juiz não esteja muito interessado em dar ouvidos a você. Talvez a própria testemunha acabe cedendo, sem que você consiga intervir a tempo. E então você exercerá o seu direito de espernear, mas não produzirá resultados. E um Advogado no Controle busca resultados.
A solução é a preparação da testemunha.
Aqui preciso fazer um aviso legal: “Preparação da testemunha” tem cheiro de crime de falso testemunho para você? Saiba que preparação da testemunha não é crime. Crime de falso testemunho é alterar a verdade ou omitir a verdade. A preparação da testemunha, quando envolve pedir a ela que mude a sua versão ou que esconda algo do juiz, é criminosa. Nunca faça isso. Mas prepare as suas testemunhas. É um direito seu e também uma obrigação moral de um bom advogado.
Nos Estados Unidos, é muito comum a preparação de testemunhas. Advogados que não o fazem são criticados – e às vezes punidos. E faz todo sentido que o sejam. Afinal de contas, que tipo de profissional é esse que traz uma pessoa para ocupar o tempo escasso do Poder Judiciário e nem sabe o que essa pessoa tem a dizer?
Você precisa conhecer o que a testemunha pode dizer. O que ela viu, o que ela ouviu, o que ela sentiu, o que ela se lembra. Você precisa saber qual a pertinência do depoimento dela. Você precisa conhecer as perguntas que ela pode responder. E isso só é possível se existir uma preparação.
Portanto, a primeira coisa que você precisa saber sobre preparação de testemunhas é:
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Não é proibido preparar testemunhas. Apenas é proibido pedir que uma testemunha faça afirmação falsa ou esconda a verdade.
E agora? Agora podemos voltar ao nosso assunto principal. Logo atrás, tratamos rapidamente da segunda lição sobre preparação de testemunhas: você precisar conversar com elas. Precisa descobrir da boca da pessoa o que ela viu, o que ela ouviu, o que ela sentiu, o que ela se lembra. Não adianta, por exemplo, ter tido acesso ao depoimento escrito dela anexado no inquérito. Você precisa ouvir da boca dela as respostas para suas perguntas. Você precisa se antecipar à audiência:
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A preparação da testemunha é uma simulação da audiência.
Mas isso é muito trabalhoso!”
É verdade. Eu preciso concordar. Simular uma audiência? Chamar todas as testemunhas? Conversar com elas antes da audiência? Isso é muito trabalhoso. Mas é fácil ser um Advogado no Controle? Se você realmente quer melhorar como advogado, é hora de colocar a mão na massa.
Como simular a audiência?
Você não precisa simular a solenidade judicial. O que precisa simular é única e exclusivamente a dinâmica de perguntas e respostas. Faça as perguntas como você faria, como a parte contrária faria, como o juiz faria e veja a reação da testemunha, a forma e o conteúdo das respostas. Não avise para ela que “agora está fazendo o papel do promotor de justiça”. Apenas faça as perguntas que o promotor de justiça faria, do jeito que ele faria (o que significa ser um pouco mais ríspido e sério). Também tente fazê-la se contradizer, tente pressioná-la. Nessa simulação você perceberá como a testemunha tende a se comportar na audiência e saberá onde precisa trabalhar.
E o que será preciso trabalhar?
Muita coisa! Não é fácil ser um Advogado no Controle. A preparação de testemunhas é trabalhosa e exige muito tempo e esforço. Mas saiba que no final tudo é recompensado. É muito bom dormir sabendo que você se preparou o máximo que pode para a audiência de amanhã. E é muito reconfortante sair de uma audiência sabendo que você alcançou o seu objetivo.
Antes de avançar, vamos registrar o que já destacamos de importante:
- Prepare as suas testemunhas. Não é proibido e é inclusive a obrigação de um bom profissional.
- Simule a audiência fazendo perguntas e analisando as respostas, pressionando a testemunha, induzindo-a em erro.
Então, você irá pedir o telefone da testemunha para seu cliente. Irá contatá-la, explicando o caso e esclarecendo que está interessado em chamá-la como testemunha e que precisa saber o que ela tem a dizer. Muitas pessoas ficam intimidadas e não querem participar. Nesses casos, insista em fazer uma reunião. Às vezes você conseguirá convencê-la a servir como testemunha. Às vezes não. Se a pessoa não estiver nem um pouco disposta, desista. A última coisa que você deseja é uma testemunha ruim:
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Uma testemunha ruim pode fazer você perder o caso.
Essa regra vale para outras situações. Você pode perceber que a testemunha não é amigável. A testemunha é hostil. Algumas pessoas são rudes e não transmitem uma boa mensagem. É politicamente incorreto, mas é verdade. Nós sabemos que Lombroso estava errado quando dizia que bandidos podem ser identificados por traços da sua aparência. Mas nosso subconsciente continua julgando as pessoas pela aparência. E assim funciona o Judiciário. Portanto, desista das testemunhas hostis.
(Se não ficou claro para você. Estou falando para você desistir daquele amigo do futebol do acusado preso em flagrante por tráfico de drogas que parece mais o chefe do seu cliente que uma testemunha abonatória. Também estou falando daquela vizinha que se acha a juíza da causa e a dona da verdade. Ok?)
Também pode ocorrer da testemunha não ter nada para contribuir.
Nesse caso, seja firme em sua posição. Alguns clientes acham “imprescindível” que algumas pessoas sejam ouvidas. Confie em seu julgamento técnico. Se a testemunha não tem nada para contribuir, desista dela e ponto final. Lembre-se que o seu processo não é o único que aquele juiz julgará. Se você enrolar na audiência, o que realmente importa passará batido. Portanto, você precisa focar no que interessa – antes que o juiz fique sonolento e passe a interromper você, ansioso para que a audiência acabe de uma vez:
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Somente leve para a audiência testemunhas importantes e que tenham algo para contribuir.
Agora que você já desistiu das testemunhas hostis e daquelas impertinentes é hora de preparar as que sobraram. Aliás, se você percebeu, até agora estamos preparando VOCÊ. Nós estamos evitando que VOCÊ passe vergonha. Agora é hora de evitar que a testemunha passe vergonha. E existe um passo a passo.
Como preparar testemunhas em 6 passos simples
Vamos ao passo a passo:
1º) Explique para a testemunha o motivo de tudo.
As pessoas precisam de um sentido. É difícil fazer alguma coisa direito quando não se sabe, em primeiro lugar, o porquê de se estar fazendo isso. Portanto, comece esclarecendo para a testemunha o motivo de tudo aquilo. Do que trata o processo? O que você espera esclarecer para o juiz com o depoimento dela? Ou seja, qual o ponto controvertido?
2º) Advirta a testemunha da obrigação de dizer a verdade.
Depois do primeiro passo, antes que a testemunha fale qualquer coisa, já advirta ela da obrigação de dizer a verdade. Esclareça que ela só poderá ajudá-lo e ao seu cliente se, falando a verdade, tiver algo para contribuir. Mentindo ela não estará ajudando. Também deixe muito claro que ela é obrigada a responder todas as perguntas suas, da parte contrária e do juiz e que não pode esconder nada, sob pena de cometer crime de falso testemunho.
3º) Faça a inquirição da testemunha.
Depois de explicar o objetivo de tudo e a obrigação de sempre falar a verdade, explique que pretende fazer algumas perguntas para a testemunha. Peça para ela contar o que sabe do caso. Deixe claro que ela deve dizer quando tiver esquecido de algo ou não tiver certeza. À medida que ela for contando, faça suas perguntas, pressione-a, observe se ela se contradiz. Preste atenção nestes pontos:
a) clareza. A testemunha tem boa dicção? A testemunha se expressa bem? Ela escolhe as palavras corretas ou escolhe palavras ruins?
b) velocidade. A testemunha fala rápido ou devagar? Se você acelerar a velocidade das perguntas, ela também acelera a velocidade das respostas?
c) autocontrole. A testemunha responde apenas o que lhe é perguntado? Ou fala pelos cotovelos? Ela toma a iniciativa?
d) hostilidade. A testemunha é respeitosa quando pressionada? A testemunha se sente intimidada facilmente? (Nunca esqueça de observar a hostilidade. Lembre-se que uma testemunha ruim pode fazer você perder o caso.)
e) atenção. A testemunha está prestando atenção nas suas perguntas?
4º) Instrua.
Depois de simular a audiência, instrua a testemunha.
Diga o que você achou importante da história, o que você achou impertinente.
Explique a importância de falar com clareza. (Se a sua testemunha não tem uma boa dicção, muito provavelmente não será possível mudar isso rapidamente – é preciso um fonoaudiólogo. Mas também pode ser que ele apenas seja um estrangeiro e falar mais devagar já ajude a compreender melhor.)
Também fale quais palavras escolhidas talvez não correspondam ao que ela quis dizer. Por exemplo, “Nós íamos ajustar as coisas com o órgão público” pode ser entendido como um esquema criminoso. É melhor falar “Nós tínhamos uma audiência com o órgão público”.
Destaque para a testemunha que o depoimento não é um jogo de pingue-pongue. Na verdade, é mais um jogo de xadrez. Deve-se pensar antes de realizar qualquer jogada. Portanto, instrua ela a pensar antes de responder. A testemunha não deve agir de forma instintiva e responder rapidamente às perguntas.
Por fim, ressalte que a testemunha está ali à serviço da Justiça, que não se trata de uma conversa informal. Ela deve responder o que lhe for perguntado e apenas o que lhe for perguntando. Não deve nunca tomar a iniciativa. São os advogados e o juiz os profissionais, que sabem quais perguntas precisam ser respondidas.
Lembre a testemunha de sempre ser respeitosa, dirigindo-se aos profissionais como “doutor” ou “excelência” e apresentando-se na audiência vestida de forma adequada.
5º) Explique as prerrogativas da testemunha.
As testemunhas possuem diversas prerrogativas legais. Mas não estou falando do aspecto legal. A testemunha possui duas prerrogativas fundamentais, que eu chamaria direitos naturais dela.
Primeiro: A testemunha só é obrigada a responder perguntas que entendeu. Como já dissemos, o depoimento é dela (e não das partes, dos advogados ou do juiz). Portanto, ninguém pode obrigar a testemunha a responder uma pergunta que não entendeu. A testemunha tem direito de pedir que seja esclarecida toda pergunta obscura. Na verdade, é quase uma obrigação que a testemunha entenda a pergunta. Deixe claro para a testemunha que ela não deve responder perguntas que não entendeu. E deixe ainda mais claro que isso só é possível se a testemunha prestar atenção nas perguntas.
Segundo: A testemunha define o ritmo do seu depoimento. Da mesma forma como a testemunha não precisa responder perguntas que não entendeu, ela também não precisa responder rapidamente tudo o que lhe for perguntado. O depoimento é dela. A testemunha pode fazer pausas. Ela pode pensar. Ela pode responder de forma mais sucinta ou mais aprofundada.
6º) Pare.
Ninguém espera um robô como testemunha. Todos esperam uma pessoa real, que pode as vezes cometer erros, esquecer coisas, mas que buscará responder o que lhe for perguntado de modo honesto. Portanto, não tente transformar a testemunha em um autômato. Dê espaço para a naturalidade. Dê espaço para um caos controlado. Não realize diversas sessões de preparação (aceite que existem três tipos de audiência). Algumas testemunhas podem precisar de mais de uma conversa, mas aja com parcimônia.
Depois de tudo isso, deixe claro para a testemunha que ela não precisa ter medo. Afinal de contas, servir como testemunha é uma obrigação de todo cidadão. Desde que ela se mantenha nos limites da verdade, não há nada a temer.
Quanto ao nervosismo, eu pergunto para você: Como advogado, você não fica nervoso? Você sabe que os juízes também ficam nervosos? Que a parte contrária também fica nervosa? Todos estão nervosos. Explique para a testemunha que ela não é a exceção. Ela é só mais uma no grupo. A única diferença é que todos estão fazendo um esforço para estar no controle. Portanto, fale para ela fazer o mesmo. Manter o controle.
Depois, é ir para casa dormir e aguardar a audiência.
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